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Uma fábrica de gaiteiros


Em nosso segundo dia em Porto Alegre tínhamos uma missão, encontrar a cidade vizinha Barra do Ribeiro, onde nunca tínhamos ido, e lá nos encontrarmos com Renato Borghetti.

Saímos cedinho e com o GPS em punho seguimos em direção ao sul do estado. Em pouco mais de 50 minutos estávamos na simpática Barra do Ribeiro. Depois do GPS nos dar um baile e nos mandar pra exatamente o lado contrário da rua onde deveríamos chegar, telefonei para o Marcos, irmão do Renato, e logo encontramos o caminho certo. Chegamos então em uma espécie de antigo barracão de porto, com um letreiro grande: "Fábrica de Gaiteiros".

Caminhando até o final do barracão nos deparamos com uma linda vista do Rio Guaíba e eu disse: acho que chegamos no paraíso!

Renato já nos esperava, claro que com um mate já prontinho!

Sentados ali na beira do Guaíba ele nos contou sobre o início da carreira, ainda muito jovem tocando no 35 CTG (Centro de Tradições Gaúchas), que é o primeiro do Rio Grande. Ali, em uma churrascaria, anexa ao CTG, ele começou a tocar profissionalmente com seu irmão.

Depois vieram as participações nos festivais, a primeira participação na 9a. Califórnia da Canção Nativa em 1979. E em 1983 a gravação do primeiro disco. Disco esse que é o primeiro disco de música instrumental brasileira a ganhar um disco de ouro. E ele me responde:

"É. Mas uma coisa interessante, porque quando eu gravei esse disco eu nem sabia que eu estava fazendo música instrumental. Eu tocava gaita, eu queria fazer um disco pra registrar, eu não tinha nem um grupo pra me acompanhar. A minha ideia era de ter um disco e numa época difícil, porque hoje fazer um disco não é tão complicado. Hoje tu faz em casa com um computador, uma boa placa, tá feito o disco. Naquela época não, naquela época tu dependia de estúdio. E até uns 3 ou 4 anos atrás, antes de eu gravar, não era possível nem gravar em Porto Alegre. Teria que ir a São Paulo ou Rio de Janeiro onde existiam os estúdios. Quando eu gravei o meu já existiam dois estúdios em Porto Alegre. Mas mesmo assim naquele período que as gravadoras tomavam todos os horários. Então a gente pra fazer um disco independente, disco independente não existia. Então eu consegui, num período que fazer disco independente era praticamente impossível".

E com esse disco, que vendeu mais de 100 mil cópias, Renato ficou conhecido em todo o país. Hoje, com mais de 30 anos de carreira ele se apresenta também muito fora do Brasil, em festivais pela Europa e EUA.

Logo, nossa conversa entra no tema da Fábrica de Gaiteiros. Pergunto como surgiu a ideia do projeto.

"Eu quando comecei a tocar, ganhei uma gaita de oito baixos de presente da minha família, dos meus pais, e eles não são músicos. Eu ganhei essa gaita, uma gaita nova, e nessa época então existiam fábricas, existiam umas três, a Hering em SC, Universal, Scala, existiam fábricas de acordeom ainda que tu poderia comprar um instrumento zero nacional. E num determinado momento da história elas foram fechando, desativando, e no momento nenhuma mais funcionava, resumo, não existia mais fábrica de acordeom no Brasil. E olha que antes disso, antes de eu começar a tocar existiram 30 mais ou menos. (...) E aí então como nesse momento não tinha como talvez uma família quando quer que uma criança comece a tocar, tem que comprar o instrumento, e a gaita diferente do violão, nada contra o violão, mas se consegue comprar um violão com um valor baixo de um violão simples, talvez até usado, pra ver se o menino ou a menina leva jeito, e aí vamos partir pra um instrumento melhor. A gaita já parte de um valor um pouco alto pra muita gente. Então o que acontece, nesse momento que nós ficamos sem as fábricas entrou o instrumento importado, caríssimo. Então tu poderia talvez utilizar um instrumento usado, reformado, restaurado, mas também não barato. Então, o que é a ideia da Fábrica de Gaiteiros, é retomar essa fabricação, nós aprendemos a fazer uma gaita boa hoje. Apresentar essa gaita pro menino ou pra menina, pro aluno, pra ele exatamente ter esse primeiro contato, ter as aulas gratuitas, ter o acordeom gratuito pra poder estudar, e aí sim a família vai ver, olha ele leva jeito ou ela leva jeito, vamos investir num instrumento. (...)"

O projeto leva aulas de gaita ponto para meninos e meninas de 7 a 15 anos gratuitamente em 8 cidades do Rio Grande do Sul, e já está se expandindo também para o estado vizinho de Santa Catarina. Além das aulas, as crianças recebem uma gaita ponto novinha fabricada ali mesmo.

A ideia do projeto também é resgatar, segundo Borghetti, o acordeom diatônico, a gaita ponto como é conhecida no Rio Grande. Apesar de grandes nomes da gaita ponto como Tio Bilia, Gilberto Monteiro, o acordeom pianado ainda é mais tocado. Renato exemplifica isso nos contando de um encontro de acordeões em que participou:

"Eu me lembro de tocar uma vez, aqueles encontros de acordeom que tem, que eles tentam colocar, quase sempre a conversa é fazer o maior encontro do mundo, colocar no Guinness. Mas eu fui convidado pra tocar em um deles aqui no interior, numa cidade que eles fazem esse encontro anualmente. E é interessante porque eles lotam um ginásio de acordeonistas, o público todo é virado em acordeonistas, eles mandam um repertório pra todos e existe um maestro com uma banda de base que organiza, e todos tocam a mesma música, aquele mesmo show. Mas todos fazem parte, é muito bonito. Imagina um ginásio lotado de gaita e todos tocando. E eu participei lá, fiz o show, e reparei que pra cada 100 gaiteiros que eu via um era de gaita ponto e os outros todos de acordeom pianado. Eu disse, tem alguma coisa errada, a gaita ponto está em desvantagem. Claro que existe a limitação do tom, de afinação. Mas mesmo assim, existia muito pouca gaita ponto. Então essa foi a ideia também de recuperar o acordeom diatônico".

Depois de uma visita à fábrica, visitando todas as partes da linha de produção, conhecemos também o teatro que fica na parte de cima tendo a platéia como vista o belo rio Guaíba.

É realmente um projeto maravilhoso que leva educação, cultura e música para as crianças e pra toda a sociedade. Parabéns Renato e vida longa à Fábrica de Gaiteiros!

Documentário Fábrica de Gaiteiros

Teaser do projeto Acordeom Brasileiro

fotos/captação de áudio e vídeo: Marcelo Pereira

Saiba mais sobre Renato Borghetti

Leia a entrevista na íntegra no livro "Acordeom Brasileiro" com lançamento em 2018.

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